STF x Big Techs: manter julgamento é vital para soberania do Brasil; leia análise
Governo Trump quer usar lei para impor sanções a autoridades estrangeiras que trabalharem para regulamentação das grandes empresas de tecnologia
Ignorando as ameaças dos Estados Unidos, a Suprema Corte do Brasil (STF) deu mais um o decisivo para definir os limites e as responsabilidades das plataformas digitais no país, ao avançar com o julgamento que discute a constitucionalidade das regras de moderação de conteúdo por parte das redes sociais. A movimentação acontece em meio a um novo capítulo da geopolítica digital, marcado por declarações de autoridades de estado dos Estados Unidos contra iniciativas que possam afetar empresas de tecnologia americanas — as chamadas "Big Techs".
O governo dos EUA, por meio do Secretário de Estado Marco Rubio, anunciou uma política de sanções e restrições de vistos a autoridades estrangeiras acusadas de interferir na liberdade de expressão de cidadãos americanos em ambientes digitais. A medida foi lida, por analistas, como uma tentativa de conter o avanço de legislações de países da América Latina e da União Europeia, que exigem maior responsabilidade das plataformas.
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Embora Rubio não tenha mencionado explicitamente o Brasil, fontes diplomáticas apontam que o novo posicionamento do governo norte-americano serve de alerta para países que estão discutindo ou implementando legislações que contrariem os interesses comerciais das gigantes da tecnologia. Entre elas, estão Google, Meta, X (antigo Twitter) e outras empresas que dominam o ecossistema informacional global.
Apesar disso, os ministros do STF decidiram seguir com o julgamento que poderá definir novos parâmetros para o funcionamento das redes sociais no país. A ação em pauta discute se é constitucional que as plataformas removam ou suspendam conteúdos e perfis sem decisão judicial, algo previsto no Marco Civil da Internet, mas que ou a ser questionado diante do aumento de abusos e da disseminação de discursos de ódio e desinformação.
Para Vladimir Feijó, professor de relações internacionais e doutor em direito internacional pela Pontífice Universidade Católica de Minas Gerais (PUC - MG), a ação da Suprema Corte Brasileira não é uma resposta direta ao governo americano, pois considera que a atuação da Justiça brasileira é importante para manter a coesão democrática diante do cenário digital.
"Julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal sobre a regulamentação das redes sociais no Brasil não é uma resposta direta ao governo americano. Apesar de haver a discussão global sobre o tema e seja uma discussão diplomática relevante, a atuação do STF está intrinsecamente ligada à necessidade de proteger a Constituição Federal e a ordem jurídica brasileira diante dos desafios do ambiente digital", argumenta Feijó.
Assim, segundo o acadêmico, "as decisões brasileiras são um reflexo de nossas próprias demandas sociais e políticas, baseadas em princípios de direito constitucional e internacional que buscam um equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade no uso dessas plataformas", conclui. O julgamento não teve inicio diante da pressão dos Estados Unidos, mas seu seguimento neste momento pode ter um fundo de resposta, mas que indireta as ações de Trump.
O STF entende que, em um ambiente democrático, a liberdade de expressão precisa coexistir com a responsabilização por danos. “As redes sociais não podem ser um território sem lei”, declarou o ministro Alexandre de Moraes, durante sessão da Corte em 8 de janeiro deste ano, reforçando que a atuação das plataformas precisa estar subordinada à Constituição brasileira.
A decisão do Supremo está alinhada a um movimento mais amplo de regulação que também ocorre na União Europeia, com o "Digital Services Act", e em países como Austrália, Canadá e Índia. Em todos esses casos, as autoridades buscam garantir maior transparência algorítmica, regras para moderação de conteúdo e responsabilização das empresas em casos de violação de direitos.
Ao contrário do que tentam sugerir setores bolsonaristas, a ação do governo Trump não tem como objetivo defender o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas blindar as big techs americanas e subjetivamente o poder americano em influenciar eleições ao redor do mundo. A proposta é criar um arcabouço legal que proteja os direitos da população brasileira, especialmente diante do uso criminoso e desinformativo do aumento durante a pandemia e nas eleições, e com casos de mortes de jovens em desafios nas redes sociais.
Nos bastidores, autoridades brasileiras têm avaliado com cautela as declarações de Rubio. Assim como citado na análise do texto, para fontes do Itamaraty, a retórica dos EUA revela não apenas preocupações com direitos civis, mas também a defesa dos interesses econômicos das Big Techs — todas empresas sediadas em território americano, que lucram bilhões com dados e publicidade no Brasil, sem necessariamente estarem sujeitas à legislação nacional de forma clara e eficaz.
Especialistas em soberania digital apontam que a pressão dos EUA faz parte de uma estratégia mais ampla de manutenção da hegemonia tecnológica americana. O objetivo seria evitar que países em desenvolvimento avancem em políticas públicas capazes de limitar o poder das plataformas e, ao mesmo tempo, fomentem suas próprias soluções tecnológicas.
Nesse sentido, o Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica. A soberania no século XXI não depende apenas de território ou forças armadas, mas também da capacidade de um país controlar sua infraestrutura digital, proteger os dados de seus cidadãos e desenvolver tecnologia nacional.
Para que o país se consolide como uma potência, não basta ser consumidor de tecnologia — é preciso criar, inovar, exportar soluções. O fortalecimento de empresas nacionais de tecnologia, as chamadas “Big Techs brasileiras”, é um o essencial para isso. Hoje, o Brasil importa quase todo o ecossistema digital que utiliza, o que o torna vulnerável tanto economicamente quanto em termos de segurança cibernética.
Além disso, a valorização dos profissionais de tecnologia brasileiros é fundamental. Muitos talentos saem do país em busca de melhores salários e condições de trabalho, contribuindo para a inovação no exterior. A repatriação desses profissionais e a criação de incentivos para que empreendam aqui são medidas estratégicas para um projeto nacional de soberania digital.
O julgamento do STF, portanto, deve ser lido também sob essa lente: trata-se de um momento decisivo para que o Brasil assuma as rédeas do seu destino digital. Resistir à pressão externa e estabelecer regras próprias é um o crucial para garantir que a tecnologia sirva ao interesse público — e não apenas ao lucro de conglomerados estrangeiros.