Vício oculto após a compra: o que é, como identificar e o que fazer?
Vício oculto exige atenção a prazos para reclamação, conhecimento dos direitos e possibilidade de indenizações mesmo após o fim da garantia; entenda a seguir
Recentemente viralizou nas redes sociais o vídeo de uma advogada contando que comprou um notebook de alto valor, mas, após mais de um ano e meio de uso, o aparelho apresentou uma falha grave. Ao procurar o fabricante, ouviu a resposta-padrão: “fora da garantia”.
O que muitas pessoas esquecem e — às vezes sequer sabem — é que garantia não apaga o chamado “vício oculto”: se o produto estraga antes do tempo que deveria durar, mesmo fora da garantia, a responsabilidade continua sendo da empresa.
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Camila Rosa, criadora do vídeo, resolveu ir em busca de seus direitos e comprou um novo item com a indenização que recebeu pelo produto defeituoso. Nos comentários, diversas pessoas trouxeram à tona o questionamento: mesmo fora da garantia, ainda é possível exigir reparo, troca ou reembolso?
O POVO consultou a advogada e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) para descobrir como identificar um vício oculto, quais são os direitos e os prazos legais para agir.
O que é vício oculto?
Vício oculto é um defeito que não pode ser percebido no momento da compra e que se revela apenas com o uso. Ele compromete o funcionamento, a utilidade ou a segurança do produto.
É comum que itens da mesma linha apresentem o mesmo defeito entre diferentes consumidores. Confira exemplos comuns de vício oculto:
- Eletrônicos: celular com defeito de tela após meses de uso;
- Veículos: problema no motor que só aparece com a quilometragem;
- Imóveis: infiltrações que surgem somente após chuvas fortes.
No caso de Camila Rosa, ela percebeu que seu computador travava repetidamente sem motivo aparente, a advogada acionou o e da Apple. Os atendentes fizeram o remoto e constataram que o problema não era de software, mas sim de hardware.
Ainda assim, disseram: “está fora da garantia, a gente não pode fazer nada”. Ela insistiu, justificando que “inclusive, tem vários consumidores alegando esse mesmo problema”, mas obteve somente negativas e por isso precisou recorrer à justiça para resolver.
Quando reclamar de vício oculto?
Conforme o artigo 26 do CDC, o prazo para reclamar de um vício oculto começa a contar a partir do momento em que o defeito é constatado, e não da data da compra. A legislação oferece diferentes prazos de reclamação para vícios ocultos, mesmo após o fim da garantia:
Produtos não duráveis - 30 dias
O prazo para reclamar é de 30 dias a partir da constatação do vício. São produtos de consumo imediato, ou consumidos pouco tempo após a compra. Serviços não duráveis são aqueles realizados frequentemente.
- Exemplo de bens não duráveis: perfumes, sabonetes, alimentos, e afins.
Produtos duráveis - 90 dias
O prazo é de 90 dias a partir da constatação do vício. São produtos que têm um ciclo de vida útil longo, ou seja, que não sofrem deterioração imediata, ao serem consumidos.
Importante ressaltar que mesmo após o prazo para reclamação de vícios, o consumidor pode buscar seus direitos na Justiça, desde que comprove que o problema já existia no ato da compra ou contratação e que não foi possível detectá-lo no prazo previsto.
- Exemplo de produtos duráveis: aparelhos eletrônicos, móveis, automóveis.
Como saber se meu produto tem um vício oculto?
Para garantir seus direitos em caso de vício oculto é fundamental reunir e preservar provas. A nota fiscal é essencial em qualquer reclamação. Também vale guardar laudos técnicos ou relatórios emitidos por assistências autorizadas.
Ainda é importante registrar o problema com fotos e vídeos, mostrando o defeito. Outro ponto é guardar todas as comunicações com o fabricante ou vendedor, como e-mails ou protocolos de atendimento, caso precise de provas. Veja como identificar um vício oculto:
Assistência técnica autorizada
Leve o produto a uma assistência técnica autorizada para um diagnóstico oficial a fim de obter os relatórios e laudos. Às vezes, a própria equipe identifica se o problema é ocasionado pelo uso comum ou se é originado do item.
Em um dos comentários do vídeo de Camila, uma internauta relatou que foi trocar a bateria que parou de funcionar do seu iPhone após três anos de uso. Lá os próprios técnicos da Apple identificaram o vício oculto no item e realizaram o procedimento de substituição gratuitamente.
Uso regular e atenção aos novos problemas
Utilize o produto conforme as recomendações, isso ajuda a identificar qualquer problema que possa surgir devido ao uso normal.
Em caso de defeitos, preste atenção nas ocorrências: se pergunte quando começou, sob quais circunstâncias aparece o problema e pesquise se tem mais gente enfrentando a mesma situação.
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Direitos do consumidor em caso de vício oculto
A legislação brasileira que trata do vício oculto é o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelecendo as regras para proteção e responsabilização junto aos fornecedores.
Ela determina, em seu artigo 18, que o fornecedor responda pelos vícios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou que diminuam seu valor.
Apesar de o CDC não fazer distinção clara entre vícios aparentes e ocultos, ele determina que o consumidor tem direito a reclamar dos vícios existentes no produto ou serviço, mesmo que eles só sejam identificados após o uso ou consumo.
Em caso de identificação de vício oculto, o consumidor tem o direito de exigir uma das opções abaixo:
- Substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
- Reembolso do valor pago, monetariamente atualizado, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
- Abatimento proporcional do preço.
No entanto, a negativa da empresa em reparar ou assumir a responsabilidade por um vício oculto é mais comum do que se imagina — e foi exatamente o que enfrentou a advogada Camila Rosa.
“Meu intuito era só ter um notebook que funcionasse”, conta. “Eu tentei por vias istrativas e eles não resolveram. Só fui para esfera judicial quando não teve como resolver.”
O que fazer se a empresa se negar a reconhecer vício oculto?
Diante da recusa, o consumidor deve recorrer à Justiça. A indenização, como explica Camila, pode ser tanto por dano material, quando se refere ao valor do bem ou seu conserto, quanto por dano moral, pelo desgaste enfrentado no processo. “Se eles tivessem só consertado à época que solicitei, estava resolvido. Não tinha que se falar em dano material ou em dano moral.”
Foi com base nesse tipo de argumento que ela venceu o processo contra a Apple, mesmo fora do período de garantia. A decisão judicial reconheceu que o defeito era um vício oculto, ou seja, que não surgiu por mau uso da consumidora.
Isso porque Camila começou a documentar tudo: chamadas com a Apple, vídeos demonstrando os travamentos do notebook, recusas de empresas em fornecer laudos e orçamentos e comprovações de que o aparelho estava em perfeito estado físico.
O juiz considerou haver provas suficientes de que o problema não foi causado por uso indevido e dispensou a perícia. Camila então obteve não só a devolução integral do valor pago como também uma indenização por danos morais.
Quando recorrer ao Procon ou à Justiça?
Consumidores devem ter atenção ao prazo para reclamar vícios ocultos a partir da constatação do defeito. A advogada recomenda buscar orientação especializada desde o início, já que o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) pode apresentar prazos demorados para resolução.
Essa demora nas decisões istrativas pode consumir o tempo útil para a ação judicial, já que o consumidor dispõe de apenas 90 dias para entrar com um processo a partir da data da constatação do problema.
Ela destaca que plataformas como o consumidor.gov.br têm tido boas respostas das empresas e são uma alternativa mais ágil em muitos casos. Mesmo em compras online ou internacionais, o consumidor tem proteção desde que exija sempre a nota fiscal.
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