Como pets melhoram nossa imunidade
Agência BBC

Como pets melhoram nossa imunidade

Acredita-se que conviver com animais tenha efeitos profundos na nossa imunidade — reduzindo potencialmente o risco de alergias, eczema e até mesmo condições autoimunes.

Cachorro sujo de lama
Getty Images

Desde que emigraram da Europa Central para a América do Norte no século 18, os Amish se tornaram conhecidos por seu estilo de vida único. Hoje, eles dependem das mesmas práticas de criação de gado leiteiro e transporte a cavalo que foram seguidas por seus ancestrais durante séculos.

Os Amish povoam o imaginário de roteiristas, documentaristas e sociólogos de Hollywood há décadas. Porém, nos últimos 10 anos, seu estilo de vida ou a despertar um interesse cada vez maior do mundo da medicina, uma vez que eles parecem desafiar uma tendência moderna particularmente preocupante.

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Embora as taxas de doenças relacionadas ao sistema imunológico que começam na infância, como asma, eczema e alergias, tenham aumentado desde a década de 1960, este não foi o caso entre os Amish.

A razão para isso está em insights reveladores sobre como nossos sistemas imunológicos operam — e as maneiras profundas pelas quais os animais em nossas vidas os afetam.

Uma comunidade diversificada

Para tentar entender por que os Amish apresentam taxas mais baixas de certas condições imunológicas, um grupo de cientistas ou um tempo, em 2012, com uma comunidade Amish no Estado americano de Indiana, e com outra comunidade agrícola conhecida como Huteritas, em Dakota do Sul. Em ambos os casos, eles coletaram amostras de sangue de 30 crianças, e estudaram detalhadamente seus sistemas imunológicos.

Há muitas semelhanças entre os dois grupos. Assim como os Amish, os Huteritas também vivem da terra, têm ascendência europeia, exposição mínima à poluição do ar e seguem uma dieta com baixo teor de alimentos processados. No entanto, suas taxas de asma e alergias infantis são de quatro a seis vezes mais altas do que as dos Amish.

Uma diferença entre as duas comunidades é que, embora os Huteritas tenham adotado totalmente as tecnologias agrícolas industrializadas, os Amish não adotaram, o que significa que, desde pequenos, eles vivem em contato próximo com animais e com a infinidade de micróbios que eles carregam.

"Se você observar as fotos aéreas de drones dos assentamentos Amish, e compará-las com as comunidades Huteritas, os Amish vivem na fazenda com os animais, enquanto os Huteritas vivem em pequenas aldeias, e a fazenda pode estar a alguns quilômetros de distância", diz Fergus Shanahan, professor de medicina da Universidade College Cork, na Irlanda.

Em 2016, uma equipe de cientistas dos EUA e da Alemanha publicou um estudo que se tornou referência, concluindo que as crianças Amish têm um risco menor de alergias devido à forma como seus ambientes moldam seus sistemas imunológicos. Em particular, os pesquisadores descobriram que as crianças Amish do estudo tinham as chamadas células T reguladoras mais bem calibradas do que as crianças de origem huterita. Estas células ajudam a atenuar as respostas imunológicas incomuns.

Gato em banheira tomando banho de chuveiro
Getty Images
A convivência com animais pode ajudar a treinar o sistema imunológico, expondo-o a uma ampla variedade de micróbios

Quando os pesquisadores examinaram amostras de poeira coletadas nas casas das crianças Amish e Huteritas em busca de sinais de bactérias, encontraram evidências claras de que as crianças Amish estavam sendo expostas a mais micróbios, provavelmente dos animais com os quais viviam.

Em todo o mundo, outros cientistas têm feito descobertas semelhantes. Um grupo de imunologistas observou que crianças que cresciam em fazendas alpinas, onde as vacas geralmente dormem perto de seus donos, pareciam estar protegidas contra asma, rinite e eczema.

Outras pesquisas descobriram que o risco de alergia de uma criança entre sete e nove anos parece diminuir proporcionalmente ao número de animais de estimação presentes na casa em seus primeiros anos de vida, o que foi chamado de "efeito minifazenda".

"Não é uma cura universal, e toda vez que dou uma palestra sobre isso, alguém diz: 'Olha, eu cresci em uma fazenda e tenho alergia', mas sabemos que se você crescer interagindo fisicamente com animais de fazenda, vai ter uma redução de cerca de 50% na probabilidade de desenvolver asma ou alergias", diz Jack Gilbert, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, que participou do estudo Amish, e é cofundador do American Gut Project — um projeto de ciência cidadã que estuda como nossos estilos de vida afetam nossos microbiomas.

"Mesmo que você cresça apenas com um cachorro em casa, você vai ter uma redução de 13% a 14% no risco", ele acrescenta.

Animais de estimação protetores

Desde que o estudo Amish foi publicado pela primeira vez, o efeito potencialmente protetor da interação com animais durante a infância tem sido objeto de grande fascínio, e o jornal americano New York Times chegou a publicar um artigo perguntando se os pets são o novo "probiótico".

Mas, afinal, o que está acontecendo? Talvez não seja surpresa que, dada a natureza tátil dos seres humanos e nosso apreço por acariciar pets, quando convivemos com animais, os micróbios de seus pelos e patas acabam em nossa pele — pelo menos temporariamente.

Isso levou a sugestões de que o "microbioma" poderia ser colonizado por microrganismos dos nossos animais de estimação. Estamos falando do conjunto de vastas colônias de micróbios que vivem na nossa pele, boca e, principalmente, no intestino, que abriga uma concentração significativa das células imunológicas do nosso corpo.

De acordo com Nasia Safdar, professora de doenças infecciosas da Universidade de Wisconsin, nos EUA, esse conceito atraiu o interesse do setor de alimentos para animais de estimação. A ideia seria desenvolver produtos comercializados para promover o crescimento de bactérias benéficas em cães e gatos, que poderiam então ser transferidas para seus donos, diz ela.

"Esse ângulo tem sido atraente para as pessoas financiarem, porque para a maioria de nós, o que interessa é a condição humana", observa Safdar. "Então, que papel o animal pode desempenhar nisso?", ela questiona.

Safdar diz que está pensando em realizar um estudo que envolveria a coleta de amostras de fezes de animais de estimação e de seus donos humanos quando eles comparecessem a consultas veterinárias recorrentes, para verificar se seus intestinos se tornam mais semelhantes do ponto de vista microbiano com o tempo. Ela também quer ver se consegue identificar espécies bacterianas semelhantes que poderiam oferecer benefícios à saúde.

Mão de alguém dando comida para um coelho que está em cima de um sofá
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Acredita-se que nossos ancestrais viviam em contato próximo com animais, e isso pode ser necessário para o desenvolvimento de um sistema imunológico saudável

No entanto, outros especialistas acham que a ideia de micróbios de cães, gatos ou qualquer outro tipo de animal não humano serem incorporados aos nossos microbiomas é duvidosa. "Não há nenhuma evidência disso", diz Gilbert.

"Não encontramos acúmulo de longo prazo de bactérias caninas em nossa pele, boca ou intestino. Elas não permanecem."

Em resposta a isso, Safdar diz que ainda acredita que o estudo vale muito a pena, afirmando que acha plausível que os micróbios intestinais possam ser transferidos dos pets para seus donos, e vice-versa. "Vale a pena estudar, e isso ainda não foi analisado de perto", ela observa.

Gilbert acredita que os animais de estimação estão desempenhando um papel diferente, mas igualmente vital. A teoria dele é que, como nossos ancestrais distantes domesticaram várias espécies, nossos sistemas imunológicos evoluíram para serem estimulados pelos micróbios que eles carregam.

Esses micróbios não residem conosco permanentemente, mas nossas células imunológicas reconhecem os sinais familiares quando eles am, o que mantém o sistema imunológico se desenvolvendo da maneira correta.

"Durante muitos milênios, o sistema imunológico humano se acostumou a ver bactérias de cachorros, cavalos e vacas", observa Gilbert. "Assim, quando ele vê essas coisas, ativa o desenvolvimento imunológico benéfico. Ele sabe o que fazer", explica.

Estudos também mostram que os seres humanos que vivem na mesma casa que um pet acabam tendo microbiomas intestinais mais parecidos entre si, e Gilbert sugere que o animal provavelmente está agindo como um veículo para ajudar a transferir os micróbios humanos entre seus donos.

Ao mesmo tempo, a exposição regular aos micróbios do próprio animal de estimação também estimula o sistema imunológico a permanecer mais ativo e a gerenciar melhor as populações bacterianas no intestino e no microbioma da pele, mantendo os patógenos afastados e estimulando o crescimento de bactérias úteis.

Micróbios antigos

Tudo isso é uma boa notícia para os amantes dos animais, já que as pesquisas continuam sugerindo que conviver com pets ao longo da vida pode fazer bem ao nosso sistema imunológico.

Depois de ler o estudo sobre os Amish e os Huteritas, Shanahan se inspirou a conduzir sua própria pesquisa sobre os Irish Travellers, uma população marginalizada que normalmente vive em espaços confinados entre vários animais — de cães e gatos a furões e cavalos.

Shanahan sequenciou seus microbiomas intestinais, e os comparou com os de irlandeses que adotam estilos de vida mais modernos hoje, assim como com microbiomas sequenciados de populações indígenas em Fiji, Madagascar, Mongólia, Peru e Tanzânia, que ainda adotam um estilo de vida semelhante ao dos nossos ancestrais caçadores-coletores.

Ele descobriu que o microbioma dos Irish Travellers era mais semelhante ao dos grupos indígenas. E disse que o microbioma deles também apresentava semelhanças com o dos seres humanos do mundo pré-industrializado, que outros grupos científicos conseguiram estudar coletando amostras fecais antigas preservadas em cavernas.

Cachorro farejando algo no chão
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Quanto mais animais de estimação as pessoas têm na infância, menor é o risco de serem diagnosticadas com alergias mais tarde

"Os Irish Travellers preservaram um microbioma ancestral", diz Shanahan. "É muito mais parecido com o que se vê nas tribos da Tanzânia, que ainda vivem como caçadores-coletores, ou com os cavaleiros da Mongólia, que vivem em tendas, perto de seus animais."

Shanahan acredita que isso pode explicar as baixas taxas de doenças autoimunes nas populações de Irish Travellers: condições como doença inflamatória intestinal, doença de Crohn, colite ulcerativa, esclerose múltipla e outras doenças que, como asma e alergias, se tornaram cada vez mais comuns nas últimas décadas.

"Isso não quer dizer que a saúde deles seja boa", observa Shanahan.

"Os Irish Travellers estão morrendo muito mais cedo do que a comunidade assentada. Mas eles estão morrendo de coisas como alcoolismo, suicídio e acidentes, causados pela pobreza e marginalização e pela erosão da sua cultura. Mas se você for a um reumatologista irlandês, e perguntar se ele já viu um traveller com lúpus sistêmico [uma doença autoimune], ele nunca viu."

Agora, os pesquisadores estão tentando entender se reintroduzir animais em nossas vidas de várias maneiras pode ser benéfico para nossa saúde ao longo da vida.

Pesquisadores da Universidade do Arizona, nos EUA, analisaram se realocar cães abandonados com adultos mais velhos poderia ajudar a melhorar a saúde física e mental deles, fortalecendo seus sistemas imunológicos.

E os resultados de um grupo de pesquisa italiano que criou uma fazenda educacional na qual crianças de lares sem animais de estimação podiam acariciar cavalos regularmente sob supervisão, sugeriram que os microbiomas intestinais das crianças começaram a produzir metabólitos mais benéficos.

Gilbert diz que é plausível que isso possa ser um meio de melhorar a imunidade infantil.

"Se você for exposto a mais tipos de bactérias, vai estimular seu sistema imunológico de maneiras mais variáveis, o que pode melhorar sua capacidade de gerenciar os micróbios em sua pele e em seu intestino", explica.

"Mas você não está sendo colonizado por bactérias animais, isso não está acontecendo."

Os pesquisadores ressaltam que ter animais de estimação durante toda a vida também pode facilitar mais interações microbianas com o sistema imunológico de outras maneiras. Por exemplo, ter um cachorro aumenta a probabilidade de você fazer caminhadas regulares, observa Liam O'Mahoney, professor de imunologia da APC Microbiome Ireland, um centro de pesquisa dedicado ao microbioma na Universidade College Cork.

"Se você tem um animal de estimação, você sai ao ar livre, vai ear no parque", diz O'Mahoney. "E, ao fazer isso, você também está sendo exposto a micróbios do parque, do solo, de todos os lugares, que podem ser úteis."

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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